sábado, abril 21, 2007

Ao Ministro da Educação

Há uma escola em meu bairro, a Escola Estadual Marcio Dêmora. Nessa Escola, há uma professora, Sandra Castro Távola. Um aluno, Guilherme Silva Campos Júnior. E a mãe, Marilise da Costa Campos. Três personagens de uma história triste e que espero, um dia, possa ter um final feliz. Em comum entre eles, mais do que o nome da escola. Sandra é professora de Guilherme, filho de Marilise. O menino, de 10 anos, está no quarto ano e a mãe dele sabe apenas assinar o nome. Ela não teve chance de ir ao que imaginou ser a escola. Ao ter um filho, sonhou, como todos os pais e mães, dar a ele o que não pôde ter. Para Marilise, o pequeno Guilherme, aos dez anos, saberia ler, fazer contas, falar da história do Brasil. O senhor, Ministro, certamente tem filhos. Bem-educados e formados nas melhores e mais caras escolas particulares do Brasil. Portanto, sei que vai ser difícil entender o que vou falar. O pequeno Guilherme, no quarto ano, não consegue ler quase nada além do próprio nome. Matemática ? Ele até consegue identificar números até cem, e fazer contas de somar. Desde que não apareça “essa coisa do vai um”. História? Bem, o senhor acha que o Brasil pode ter sido descoberto em 1900, por um tal de “alguma coisa Cobral”? O pequeno Guilherme tem certeza disso. É que, sem saber ler direito, senhor Ministro, os livros didáticos que a escola forneceu são verdadeiros hieróglifos para ele. Como estudar ciências ou história, se não se entende nem o texto de um gibi ? A mãe acreditava que a escola serviria para o filho ter “uma vida melhor”, mas ela está decepcionada. Era isso que ela tanto sonhava? Isso é a escola que dizem ser o meio para “subir na vida”? Como o filho vai conseguir um bom emprego, daqui a alguns anos, se mal vai conseguir ler os letreiros dos ônibus, para ir ao trabalho? A dona Marilise, senhor Ministro, não pode pagar a escola cara que o senhor pagou para os seus filhos. Então ela foi conversar com a professora. Ouviu que a culpa é da aprovação automática, do número excessivo de alunos na sala de aula, do desinteresse dos alunos, provocada pela falta dos recursos atrativos que a escola deveria dispor para uma boa educação. A dona Marilise até sentiu pena da professora. A Sandra explicou para ela que decidiu ser professora porque acreditava que a educação era a base para a construção de um mundo melhor, mais justo e mais feliz. Que tinha o sonho de ver, na escola pública, a qualidade das boas escolas particulares. Que queria ver seus alunos preparados para a sociedade, para o mercado de trabalho e para a vida. Acontece, senhor Ministro, que, na prática, nada disso pode ser realidade. O senhor assistiu ao filme “Cidade de Deus ? Tem idéia de quantas “Cidades de Deus”, com seus “Zé Pequenos“ existem por aí? Exemplos como o do personagem Dadinho, que até se sentiu tentado mas não se envolveu com o crime, apesar do irmão assaltante, são raros. A professora Sandra me contou que já conviveu com alunos, parentes ou vizinhos de bandidos, que iam para a escola comer e passavam a tarde “trabalhando” para o tráfico de drogas, em pequenos roubos, ou “honestamente” nos faróis e nas feiras, empurrando os carrinhos que as senhoras não agüentavam levar para casa. Como ela sabia ? As crianças pequenas, criminosas ou não, costumam confiar em professoras como a Sandra. O senhor deve estar se perguntando : por que ela não denunciou? Eu explico: a professora Sandra mora perto da escola, que também fica próxima à favela onde essas crianças vivem... A professora Sandra tem dois filhos pequenos e pais idosos que também moram por lá. Isso sem falar em irmãos e sobrinhos. A professora Sandra ganha pouco e não tem dinheiro para pagar os seguranças particulares e vigias noturnos que o senhor paga, senhor Ministro. E a polícia ? Que polícia ? Enfim, entre o compromisso com a educação e a vida da família, ela optou por ficar quietinha. Fingir que nem sabia de nada. O senhor agiria diferente ?
Bom, desculpe tomar o seu tempo com toda essa história. É que sou estudante de pedagogia e ainda sonho. Quero ter a esperança de construir um Brasil melhor, deixando de ver crianças que enxergam na marginalidade o único meio de vida. Ainda acredito que a escola brasileira pode, sim, servir para a construção de uma sociedade mais justa, com oportunidades iguais e sentimentos nobres entre os homens. E isso, o senhor sabe, só é possível com uma educação de qualidade... Aquela que os seus filhos tiveram, protegidos pelos seus seguranças, bem-alimentados pela sua cozinheira, descansados pelas férias na Disney. Eu não sou Ministra da Educação como o senhor, mas sei que só vou realizar meu sonho se lutar pelos direitos da infância. Segurança, alimentação, lazer e ensino eficiente não podem ser privilégios de quem tem sorte de nascer em uma família rica. E tudo isso ainda precisa ser costurado com a linha dos valores morais e sociais que vão garantir, um dia, quem sabe, na minha aposentadoria, o meu sorriso: o mesmo de quem planta uma semente e colhe uma maçã, consciente de aquilo é apenas o começo de um lindo pomar. Sou mais nova que o senhor e, se o curso da vida seguir normalmente, devo ficar aqui por mais tempo. Mesmo assim o convido: o senhor não quer sorrir comigo ?

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