sábado, outubro 20, 2007

Relações Interpessoais na Escola

A informação de que as realidades das escolas particulares e públicas são absolutamente diferentes, todo mundo conhece. São estruturas, metodologias, profissionais, crianças e comunidades que entre si têm apenas em comum a busca do saber. Mas as diferenças não param por aí. Passam, e muito, pelo modo de ver e entender a tarefa de educar. Os detalhes dessas diferenças ficam muito claros em situações básicas de pesquisa, como uma entrevista fictícia com professoras que trabalham em lugares diferentes. Maria Lúcia Rios, professora da primeira série da Escola Municipal Abelardo Siqueira, Cíntia Marques dos Santos, professora da primeira série do Colégio Rumo, Aparecida Mathias de Oliveira Bruno, professora de pré-escola da Escolinha Turma da Bagunça são bons exemplos disso. Duas delas, Cíntia e Aparecida, são iniciantes. Menos de 5 anos de profissão. Maria Lúcia é a veterana entre elas. Leciona há 22 anos e é a única que trabalha em apenas 1 período, ainda cursa pedagogia e não costuma usar a internet. As outras duas são recém-formadas. Todas garantem que lêem para manter-se informadas.
O desinteresse e indisciplina apontados por professores e alunos como um dos principais problemas da escola são avaliados por elas de forma diferente. Na escola pública, a aprovação automática e a falta de recursos didáticos. Na particular, a certeza de impunidade e até de reprovação, porque trazem de casa o discurso do “minha mãe paga a escola”. Educação deficiente em casa, em termos de formação e valores também são citados como motivos de falta de interesse ou disciplina em sala de aula.
Em outro ponto de reflexão sobre a escola, uma unanimidade: a atenção individual para alunos que apresentam dificuldades é extremamente prejudicada pelo número de alunos por sala. São 36 na primeira série escola pública, 32 na particular e 26 na pré-escola. Sem auxiliares. Esse excesso também é apontado como motivo para não se identificar alunos com talentos diferenciados. E quando são, o máximo que se consegue é falar com os pais rapidamente em alguma reunião. Isso, se o pai ou mãe comparecer à escola, um problema tanto para as escola pública quanto para a privada.
Nessa faixa etária, o vínculo entre professor e aluno normalmente é mais forte que nos anos seguintes, mas não se vê estratégias específicas para que isso aconteça, exceto por excursões e festinhas. Em sala de aula, a professora da pré-escola, Aparecida, diz que a “afetividade é a base do trabalho”, enquanto as outras dizem ser impossível ter o nível de afetividade suficiente para que isso realmente ajudasse na aprendizagem, com todos os alunos da sala.
Quanto ao vínculo com a escola, na escola particular, ele é trabalhado em atividades de ornamentação da escola e projetos diferenciados. Na escola pública, a professora Maria Lúcia garante que depende muito da própria professora. Mas como as classes mudam todo ano, às vezes um trabalho é perdido porque não há um projeto escolar e sim do próprio docente.
Em geral, são poucas as inovações pedagógicas e projetos de melhoria da prática pedagógica da escola, que resultem na elevação da auto-estima e na formação integral dos alunos. E os projetos já existentes foram concebidos e coordenados ou pela coordenação, ou pela professora e não pelos alunos, que foram, na verdade, conduzidos à realização de tarefas pensadas pelos adultos.
O que pude verificar também é que as professoras mais jovens estão mais abertas a novos projetos. A mais experiente tem também a intenção de desenvolver um bom trabalho, mas teme a indisciplina e acredita que os alunos não estão preparados para a tomada das principais decisões. Um pouco disso é visto no filme “Escola da Vida” em que um novo professor adota métodos revolucionários, que acabam sendo aceitos pelo professor mais antigo. O mais curioso é que o pai do professor veterano também lecionou na escola. Apesar da idade avançada, ele era amado pelos adolescentes e foi a inspiração para aquele professor que o substituiu depois da morte e revolucionou a escola. No filme, via-se nos 2 professores a intenção de realizar um bom trabalho. Até porque o professor veterano buscava o título de “professor do ano”, que o pai dele conquistou por anos a fio. Em uma cena, ele deixa a classe “livre” para escolher o que quer fazer. E resigna-se à vontade dos alunos de assitir às aulas “teatrais” do outro professor. Um detalhe importante é que o professor jovem conduzia os alunos e passava o conteúdo de forma teatral. O projeto não partia das crianças, mas elas eram encantadas pelo método baseado na fantasia. E esse “encanto” propiciava a aprendizagem efetiva, já que as notas dos alunos refletiam isso. E olha que, em dado momento do filme, há a desconfiança do professor veterano de que as notas eram o motivo da afetividade do outro com seus alunos. E ele, mais tarde, ao também quebrar seus paradigmas e, conseqüentemente, seus métodos, percebe que seus alunos também foram bem nos testes. Pelo amor ao saber.
É esse encantamento que falta às escolas brasileiras de hoje. Pela entrevistas percebe-se que há um desânimo geral. Na escola particular, para se cumprir à risca as ordens da coordenação. Na escola pública, pelo descaso com a aprendizagem. E isso independe da idade do educador. Depende da crença na educação e no próprio trabalho. Por isso acredito que é preciso que cada professor procure em si a chama da magia do saber e do ensinar. Essa é a chama que contagia alunos, comunidades e transforma as relações de aprendizagem. É assim que se criam vínculos afetivos que conduzem e guiam. É preciso, sim, afetividade. Com os alunos e com o próprio ato de educar. É preciso estar encantado para encantar e levar os alunos numa viagem diária e eterna pelo maravilhoso caminho da busca do conhecimento.

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